segunda-feira, 2 de maio de 2016

Um pouco de a ilha misteriosa de julio verne
Capítul o 1
— Su bim os?
— Não, pelo con t rário!  Est am os a descer!
— Pior do qu e i sso, sen h or Cy ru s!  Est am os a cai r!
— Por Deu s!  L an cem  last ro!
— O úl t im o saco f oi  despejado!
— O balão est á a su bi r?
— Não!
— Ou ço com o qu e o m aru lh ar das vag as!
— O m ar est á por baix o da barqu in h a!
— Não deve est ar a qu in h en t os pés de n ós!
En t ão u m a voz  poderosa rasg ou  o ar e ou vi ram -se est as palavras:
— Para f ora t u do o qu e pesa! ... t u do!  E qu e a g raça de Deu s n os acom pan h e!
Foram   est as  as  palavras  qu e  se  ou vi ram ,  por  cim a  desse  vast o  desert o  de  ág u a  do
Pací f ico, cerca das qu at ro h oras da t arde, n o dia 23 de m arço de 1865.
Cert am en t e  n in g u ém   esqu eceu   o  t errível   g olpe  de  ven t o  n ordest e  qu e  se  desen cadeou   n o
m eio  do  equ in ócio  desse  an o,  e  du ran t e  o  qu al   o  t erm óm et ro  baix ou   para  set ecen t os  e  dez
m i l ím et ros.  Foi   u m   f u racão  qu e  du rou   sem   in t erm i t ên cia  desde  o  dia  18  at é  ao  dia  26  de
m arço.  As  devast ações  qu e  produ z iu   f oram   im en sas  n a  Am érica,  n a  Eu ropa,  n a  Ásia,  n u m a
z on a  de  m i l   e  oi t ocen t as  m i lh as,  qu e  se  desen h ava  obl iqu am en t e  n o  equ ador ,  desde  o  paralelo
t rig ésim o  qu in t o  n ort e  at é  ao  paralelo  qu adrag ésim o  su l !   Cidades  dest ru ídas,  f lorest as
arran cadas,  m arg en s  devast adas  por  m on t an h as  de  ág u a  qu e  se  precipi t avam   com o  m acaréu s,
n avios  at i rados  para  a  cost a,  qu e  as  est at í st icas  f ei t as  pelo  Gabin et e  V eri t as  orçaram   por
cen t en as,  t erri t órios  in t ei ros  n ivelados  por  t rom bas  de  ág u a  qu e  esm ag avam   t u do  à  su a
passag em ,  vários  m i lh ares  de  pessoas  esm ag adas  por  alu im en t os  de  t erras  ou   en g ol idas  pelo
m ar:   f oram   est es  os  t est em u n h os  do  f u ror ,  das  dest ru ições  deix adas  por  esse  f orm idável
f u racão.  U l t rapassou   em   desolação  os  qu e  devast aram   Havan a  e  Gu adalu pe,  u m   a  25  de
ou t u bro de 1810, o ou t ro a 26 de ju lh o de 1825.
Ora,  n o  preci so  m om en t o  em   qu e  t an t as  cat ást rof es  su cediam   n a  t erra  e  n o  m ar ,  u m   dram a
n ão m en os t errível  desen rolava-se n os ares ag i t ados.
Com   ef ei t o,  u m   balão,  levado  com o  u m a  bola  n o  cim o  de  u m a  t rom ba,  e  apan h ado  n o
m ovim en t o  g i rat ório  da  colu n a  de  ar ,  percorria  o  espaço  com   u m a  velocidade  de  n oven t a
m i lh as
1
por  h ora,  g i ran do  sobre  si   m esm o,  com o  se  t ivesse  sido  apan h ado  por  qu alqu er
t u rbi lh ão aéreo.
Por  baix o  do  apên dice  in f erior  do  balão  osci lava  u m a  barqu in h a  qu e  con t in h a  cin co
passag ei ros, m al  vi sívei s n o m eio desses espessos vapores, m i st u rados com  ág u a pu lveriz ada,
qu e se arrast avam  à su perf ície do ocean o.
Don de vin h a aqu ele aeróst at o, verdadei ro brin qu edo da t em ível  t em pest ade? De qu e pon t o
do Mu n do t in h a ele part ido? Não t in h a eviden t em en t e podido part i r du ran t e a t em pest ade. Ora,
o  f u racão  du rava  já  h á  cin co  dias  e  os  seu s  prim ei ros  sin t om as  t in h am -se  m an i f est ado  a  18.
Podia-se  port an t o  pen sar  qu e  o  balão  vin h a  de  m u i t o  lon g e,  poi s  n ão  devia  t er  percorrido
m en os de du as m i l  m i lh as em  vin t e e qu at ro h oras.
Em   t odo  o  caso,  os  passag ei ros  n ão  t in h am   podido  t er  à  su a  di sposição  n en h u m   m eio  de
calcu lar  o  cam in h o  percorrido  desde  a  su a  part ida,  poi s  f al t ava-lh es  qu alqu er  pon t o  de
ref erên cia.  Devia  m esm o  dar-se  o  f act o  cu rioso  de  qu e,  arrast ados  n o  m eio  das  violên cias  da
t em pest ade  eles  n ão  as  sen t i ssem .  Deslocavam -se,  rolavam   sobre  si   m esm os  sem   sen t i rem
essa  rot ação,  n em   a  su a  deslocação  em   sen t ido  h oriz on t al .  Os  seu s  olh os  n ão  podiam
t respassar  o  espesso  n evoei ro  qu e  se  am on t oava  sob  a  barqu in h a.  Em   redor  deles  t u do  era
bru m a.  A   opacidade  das  n u ven s  era  t al   qu e  n em   saberiam   diz er  se  era  dia  ou   n oi t e.  Nen h u m
ref lex o  de  lu z ,  n en h u m   ru ído  de  t erras  h abi t adas,  n en h u m   bram i r  do  ocean o  con seg u ia  ch eg ar
at é  eles  n o  m eio  daqu ela  im en sidão  obscu ra,  en qu an t o  eles  se  m an t iveram   a  g ran des  al t i t u des.
Só a descida rápida lh es t in h a dado a n oção dos perig os qu e corriam  ao de cim a das on das.
En t ret an t o,  o  balão,  al iviado  dos  objet os  pesados,  vol t ara  a  su bi r  para  as  cam adas
su periores  da  atm osf era,  para  u m a  al t u ra  de  qu at ro  m i l   e  qu in h en t os  pés.  Os  passag ei ros,
depoi s  de  t erem   vi st o  qu e  se  en con t ravam   sobre  o  m ar ,  e  ach an do  os  perig os  m en os  t em ívei s
lá em  cim a do qu e em  baix o, n ão  t in h am  h esi t ado em   lan çar pela borda  f ora m esm o os objet os
m ai s  út ei s,  e  procu ravam   n ão  perder  m ai s  n ada  do  f lu ido,  dessa  alm a  do  seu   aparelh o,  qu e  os
m an t in h a por cim a do abi sm o.
A   n oi t e  passou -se  n o  m eio  de  in qu iet ações  qu e  t eriam   sido  m ort ai s  para  alm as  m en os
en érg icas. Depoi s  o  dia  vol t ou   a  aparecer  e  com   ele  o  f u racão  pareceu  m ost rar  t en dên cia  para
se  m oderar .  Desde  o  in ício  desse  dia  de  24  de  m arço,  h ou ve  alg u n s  sin t om as  de
apaz ig u am en t o.  De  m adru g ada,  as  n u ven s,  m ai s  leves,  t in h am   su bido  para  as  al t u ras  do  céu .
Em   pou cas  h oras  a  t rom ba  m arí t im a  qu ebrou -se  e  o  ven t o  passou   do  est ado  de  f u racão  para  o
de  «m u i t o  f resco»,  qu er  diz er ,  qu e  a  velocidade  de  t ran slação  das  cam adas  atm osf éricas
dim in u iu   para  m et ade.  Era  ain da  aqu i lo  a  qu e  os  m arin h ei ros  ch am am   u m a  «bri sa  de  t rês
riz es», m as a m elh oria da pert u rbação atm osf érica n ão deix ou  de ser con siderável .
Por  vol t a  das  on z e  h oras,  as  cam adas  in f eriores  da  atm osf era  est avam   sen sivelm en t e  m ai s
l im pas.  A   atm osf era  t in h a  essa  l im pidez   h úm ida  qu e  se  vê,  qu e  se  sen t e  at é,  após  a  passag em
de  g ran des  m et eoros.  Não  se  af ig u rava  qu e  o  f u racão  t ivesse  ido  para  m ai s  lon g e,  para
ociden t e.  Parecia  m ort o.  T alvez   se  t ivesse  esg ot ado  em   n u ven s  carreg adas  de  elet ricidade
após a ru t u ra da t rom ba, com o su cede m u i t as vez es aos t u f ões n o ocean o Ín dico.
Con t u do, por vol t a dessa h ora, pu deram  observar de n ovo qu e o balão baix ava len t am en t e,
por u m  m ovim en t o con t ín u o n as cam adas in f eriores do ar . Parecia m esm o qu e se ia esvaz ian do
a pou co e pou co e se di st en dia, passan do da f orm a esf érica para a f orm a ovoide.
Por  vol t a  do  m eio-dia  o  aeróst at o  só  plan ava  a  u m a  al t u ra  de  doi s  m i l   pés  acim a  do  m ar .
T in h a  u m a  capacidade  de  cin qu en t a  m i l   pés  cúbicos
2
,  e,  g raças  a  i sso,  pu dera  m an t er-se
du ran t e  m u i t o  t em po  n o  ar ,  qu er  por  t er  at in g ido  g ran des  al t i t u des,  qu er  por  se  t er  deslocado
seg u n do u m a di reção h oriz on t al .
Nesse  m om en t o  os  passag ei ros  lan çaram   pela  borda  f ora  os  úl t im os  objet os  pesados
ex i st en t es  ain da  n a  barqu in h a,  os  pou cos  víveres  qu e  t in h am   con servado,  t u do,  at é  os  m ai s
pequ en os  u t en sí l ios  qu e  t in h am   n os  bol sos,  e  u m   deles,  t en do-se  içado  para  o  an el   on de  se
reu n iam  as cordas da rede, procu rou  l ig ar sol idam en t e o apên dice in f erior do aeróst at o.
Era eviden t e qu e os passag ei ros n ão podiam  m an t er m ai s o balão n as z on as elevadas e qu e
o g ás lh es f al t ava!
Est avam  perdidos!
Com   ef ei t o,  n ão  era  u m   con t in en t e,  n em   sequ er  u m a  i lh a  qu e  se  est en dia  por  baix o  deles.
No h oriz on t e n ão se vi slu m brava o m ai s pequ en o pon t o on de pu dessem  pou sar .
Era  o  m ar  im en so,  cu jas  on das  se  erg u iam   ain da  com   in com parável   violên cia!   Era  o
ocean o  sem   l im i t es  vi sívei s,  m esm o  para  eles,  qu e  o  dom in avam   de  cim a  e  cu jos  olh ares  se
est en diam   sobre  u m   raio  de  qu aren t a  m i lh as!   Era  essa  plan ície  l íqu ida,  f u st ig ada  sem   m ercê
pelo  f u racão,  qu e  lh es  devia  parecer  u m a  cavalg ada  de  vag as  desen cadeadas,  sobre  as  qu ai s
t ivessem  dei t ado u m a vast a rede de cri st as bran cas!  Nem  u m  roch edo à vi st a, n em  u m  n avio!
Era  preci so  port an t o,  a  t odo  o  cu st o,  det er  o  m ovim en t o  de  descida,  para  im pedi r  qu e  o
aeróst at o  viesse  a  ser  en g ol ido  pelas  on das.  E  era  eviden t em en t e  para  evi t ar  i sso  qu e  os
viajan t es  t rabalh avam .  Mas  apesar  dos  seu s  esf orços  o  balão  con t in u ava  a  baix ar  ao  m esm o
t em po  qu e  se  deslocava  com   u m a  velocidade  ex t rem a,  seg u n do  a  di reção  do  ven t o,  i st o  é,  do
n ordest e para su doest e.
Si t u ação  t errível   a  daqu eles  in f el iz es!   Já  n ão  eram   eviden t em en t e  sen h ores  do  aeróst at o.
As  su as  t en t at ivas  n ão  con seg u iam   t er  êx i t o.  O  in vólu cro  do  balão  esvaz iava-se  a  pou co  e
pou co do f lu ido sem  qu e f osse possível  ret ê-lo. A  descida acelerava-se vi sivelm en t e, e, à u m a
h ora  da  t arde,  a  barqu in h a  só  est ava  su spen sa  a  pou co  m ai s  de  sei scen t os  pés  acim a  do
ocean o.
É  qu e,  com   ef ei t o,  era  im possível   im pedi r  a  f u g a  do  g ás,  qu e  se  escapava  l ivrem en t e  por
u m  rasg ão do aparelh o.
Al ivian do  a  barqu in h a  de  t odos  os  objet os  qu e  con t in h a,  os  passag ei ros  log raram
prolon g ar ,  du ran t e  alg u m as  h oras,  a  su a  su spen são  n o  ar .  Mas  a  in evi t ável   cat ást rof e  só  podia
ser  ret ardada,  e,  se  n en h u m a  t erra  su rg i sse  an t es  da  n oi t e,  passag ei ros,  barqu in h a  e  balão
t eriam  def in i t ivam en t e desaparecido n as on das.
A   ún ica  m an obra  qu e  h avia  ain da  a  f az er  f oi   f ei t a  n esse  m om en t o.  Os  passag ei ros  do
aeróst at o eram  eviden t em en t e pessoas en érg icas,  e qu e  sabiam  olh ar a m ort e de  f ren t e. Não  se
lh es  ou viu   u m   ún ico  m u rm úrio  sai r  dos  lábios.  Est avam   decididos  a  lu t ar  at é  ao  úl t im o
m om en t o,  a  f az erem   t u do  para  ret ardar  a  qu eda.  A   barqu in h a  era  apen as  u m a  caix a  de  vim e,
im própria  para  f lu t u ar ,  e  n ão  h avia  possibi l idade  alg u m a  de  a  m an t er  à  su perf ície  do  m ar  se
ela caí sse.
Às du as h oras, o aeróst at o est ava apen as a qu at rocen t os pés acim a das on das.
Nesse m om en t o u m a voz  m ascu l in a — a voz  de u m  h om em  cu jo coração era in acessível  ao
m edo — f ez -se ou vi r . A  essa voz  respon deram  voz es n ão m en os en érg icas.
— Já f oi  t u do lan çado f ora?
— Não, h á ain da dez  m i l  f ran cos de ou ro!
U m  pesado saco f oi  cai r n o m ar .
— O balão est á a su bi r?
— U m  pou co, m as n ão t ardará a descer!
— Qu e se poderá ain da dei t ar f ora?
— Nada!
— Sim . A  barqu in h a!
— Ag arrem o-n os à rede e lan cem os a barqu in h a ao m ar .
Era,  com   ef ei t o,  o  ún ico  e  úl t im o  m eio  de  al iviar  o  aeróst at o.  As  cordas  qu e  l ig avam   a
barqu in h a ao cí rcu lo f oram  cort adas, e o aeróst at o, após a qu eda, su biu  doi s m i l  pés.
Os  cin co  passag ei ros  t in h am -se  içado  para  a  rede,  acim a  do  cí rcu lo,  e  ag arravam -se  às
m alh as da m esm a, olh an do o abi sm o.
Sabe-se  de  qu e  sen sibi l idade  est át ica  são  dot ados  os  aeróst at os.  Bast a  lan çar  o  objet o
m ai s  leve  f ora para provocar u m a deslocação n o  sen t ido vert ical . O aparelh o,  f lu t u an do n o  ar ,
com port ou -se  com o  u m a  balan ça  de  u m   rig or  m at em át ico.  Com preen de-se  port an t o  qu e  se  f or
l ibert o  de  u m   peso  im port an t e,  a  su a  deslocação  deverá  ser  im port an t e  e  bru sca.  Foi   o  qu e
su cedeu  n essa ocasião.
No  en t an t o,  depoi s  de  se  t er  equ i l ibrado  u m   in st an t e  n as  z on as  su periores  da  atm osf era,  o
aeróst at o com eçou  a descer de n ovo. O g ás escapava-se pelo rasg ão, e era im possível  reparálo.
Os  passag ei ros  já  t in h am   f ei t o  t u do  o  qu e  era  possível   f az er .  Daí   em   dian t e  n en h u m   m eio
h u m an o os podia salvar . Só podiam  con t ar com  a aju da de Deu s.
Às qu at ro h oras, o balão en con t rava-se apen as a qu in h en t os pés da su perf ície das ág u as.
U m   lat ido  son oro  f ez -se  ou vi r .  U m   cão  acom pan h ava  os  passag ei ros  e  m an t in h a-se  ju n t o
do don o, t am bém  ag arrado à rede.
— T op viu  qu alqu er coi sa!  — ex clam ou  u m  dos passag ei ros.
Depoi s, log o a seg u i r , u m a voz  f ort e f ez -se ou vi r:
— T erra!  T erra!
O  balão,  qu e  o  ven t o  n ão  cessava  de  arrast ar  para  su doest e,  t in h a,  desde  a  m adru g ada,
percorrido  u m a  di st ân cia  con siderável ,  qu e  se  ci f rava  em   cen t en as  de  m i lh as,  e  u m a  t erra
bast an t e al t a acabava, com  ef ei t o, de su rg i r n essa di reção.
Con t u do, essa t erra en con t rava-se ain da a u m as t rin t a m i lh as de di st ân cia. Era preci so pelo
m en os  u m a  boa  h ora  para  lá  ch eg ar ,  e  m esm o  assim   com   a  con dição  de  n ão  h aver  qu alqu er
desvio!  U m a h ora!  O balão n ão f icaria an t es di sso esvaz iado de t odo o seu  f lu ido?
Era  essa  a  t errível   qu est ão!   Os  passag ei ros  viam   di st in t am en t e  esse  pon t o  sól ido,  qu e  era
preci so  alcan çar  a  t odo  o  cu st o.  I g n oravam   o  qu e  era,  i lh a  ou   con t in en t e,  poi s  n ão  sabiam
sequ er  para  qu e  part e  do  Mu n do  o  f u racão  os  h avia  arrast ado!   Mas  essa  t erra,  qu er  f osse
h abi t ada ou  n ão, qu er f osse h ospi t alei ra ou  n ão, era preci so alcan çá-la!
Ora,  às  qu at ro  h oras,  era  vi sível   qu e  o  balão  n ão  poderia  ag u en t ar-se  m ai s  t em po.  Rasava
à  su perf ície  do  m ar .  Já  a  cri st a  de  en orm es  vag as  t in h a  por  vez es  m olh ado  a  part e  in f erior  da
rede,  t orn an do-a  ain da  m ai s  pesada,  e  o  aeróst at o  apen as  se  soerg u ia  com o  u m   pássaro  com
ch u m bo n u m a asa.
Meia  h ora  m ai s  t arde  a  t erra  en con t rava-se  apen as  a  m eia  m i lh a,  m as  o  balão,  esg ot ado,
m ole, am arrot ado, f orm an do g ran des preg as, só t in h a g ás n a su a part e su perior . Os passag ei ros
presos  à  rede  ain da  pesavam   de  m ai s  para  ele,  e  em   breve,  sem im erg u lh ados  n o  m ar ,  eram
açoi t ados pelas vag as f u riosas. O in vólu cro do balão dobrou -se en t ão e o ven t o, bat en do n ele,
em pu rrou -o com o a u m  n avio. T alvez  ch eg asse assim  à cost a!
En con t rava-se  a  pou ca  di st ân cia  de  t erra  qu an do  qu at ro  g ri t os  t errívei s,  saídos  de  qu at ro
pei t os  ao  m esm o  t em po,  se  ou vi ram .  O  aparelh o,  qu e  parecia  n ão  vol t ar  a  erg u er-se,  acabava
de dar u m  sal t o in esperado, depoi s de t er sido at in g ido por u m a vag a en orm e. Com o se t ivesse
su bi t am en t e  perdido  u m a  part e  do  seu   peso,  o  balão  su biu   a  u m a  al t u ra  de  m i l   e  qu in h en t os
pés,  e  al i   en con t rou   u m a  espécie  de  rem oin h o  de  ven t o  qu e,  em   vez   de  o  levar  di ret am en t e
para  a  cost a  o  f ez   seg u i r  n u m a  di reção  paralela.  Por  f im ,  doi s  m in u t os  m ai s  t arde,  aprox im ou se obl iqu am en t e e caiu  n a areia da praia, f ican do f ora do alcan ce das vag as.
Os  passag ei ros,  aju dan do-se  u n s  aos  ou t ros,  con seg u i ram   sol t ar-se  das  m alh as  da  rede.  O
balão,  sem   o  peso  deles,  f oi   apan h ado  pelo  ven t o  e,  com o  u m   pássaro  f erido  qu e  reen con t ra
u m  m om en t o de vida, desapareceu  n o espaço.
A   barqu in h a  t ran sport ara  cin co  passag ei ros  e  u m   cão  e  o  balão  só  at i rara  para  a  m arg em
qu at ro.
O  passag ei ro  qu e  f al t ava  h avia  eviden t em en t e  sido  levado  pelo  m ar  e  f ora  i sso  qu e
perm i t i ra ao balão su bi r u m a úl t im a vez  e depoi s, alg u n s in st an t es m ai s t arde, at in g i r t erra.
Mal   os  qu at ro  n áu f rag os  —  podem os  dar-lh es  esse  n om e  —  t in h am   pi sado  o  solo,  t odos,
pen san do n o au sen t e, g ri t aram :
— Ele t en t a t alvez  ch eg ar aqu i  a n ado!  Salvem o-lo!  Salvem o-lo!
Capítul o 2
Não  eram   n em   aeron au t as  de  prof i ssão  n em   am adores  de  ex pedições  aéreas  os  qu e  o
f u racão  acabava  de  lan çar  para  a  cost a.  Eram   pri sion ei ros  de  g u erra,  qu e  a  au dácia  t in h a
levado  a  f u g i r  em   ci rcu n st ân cias  ex t raordin árias.  Cem   vez es  eles  t eriam   podido  perecer!   Cem
vez es  o  balão  rasg ado  poderia  t ê-los  lan çado  n o  abi sm o!   Mas  o  céu   reservava-os  para  u m
est ran h o  dest in o,  e,  a  24  de  m arço,  depoi s  de  t erem   f u g ido  de  Rich m on d,  si t iada  pelas  t ropas
do g en eral  Gran t ,  en con t ravam -se a  set e m i l  m i lh as da capi t al  do est ado da V i rg ín ia, prin cipal
praça-f ort e  dos  separat i st as  du ran t e  a  t errível   Gu erra  da  Secessão.  A   n aveg ação  aérea  du rara
cin co dias.
V ejam os  em   qu e  cu riosas  ci rcu n st ân cias  se  deu   a  evasão  dos  pri sion ei ros  —  evasão  qu e
con du z i ria ao desen lace qu e já con h ecem os.
Nesse  m esm o  an o,  n o  m ês  de  f everei ro  de  1865,  n u m   desses  at aqu es  qu e  o  g en eral   Gran t
t en t ou ,  m as  in u t i lm en t e,  para  se  apoderar  de  Rich m on d,  vários  dos  seu s  of iciai s  caí ram   n as
m ãos  dos  in im ig os  e  f oram   in t ern ados  n a  cidade.  U m   dos  m ai s  di st in t os  of iciai s  a  qu em   i sso
acon t eceu  pert en cia ao est ado-m aior f ederal  e ch am ava-se Cy ru s Sm i t h .
Cy ru s  Sm i t h ,  orig in ário  de  Massach u set t s,  era  en g en h ei ro,  u m   sábio  de  g ran de  cat eg oria,
ao  qu al   o  Govern o  da  U n ião  h avia  con f iado,  du ran t e  a  g u erra,  a  di reção  dos  cam in h os  de
f erro,  cu jo  papel   est rat ég ico  f oi   t ão  con siderável .  V erdadei ro  am erican o  do  Nort e,  m ag ro,
ossu do,  esg u io,  t in h a  cerca  de  qu aren t a  e  cin co  an os  de  idade  e  os  cabelos  cort ados  cu rt os,
assim   com o  o  big ode,  com eçavam   já  a  t orn ar-se  g ri salh os.  Possu ía  u m a  dessas  belas  cabeças
n u m i sm át icas  qu e  parecem   f ei t as  para  serem   cu n h adas  em   m edalh as,  os  olh os  bri lh an t es,  a
boca  séria,  a  f i sion om ia  de  u m   sábio  da  escola  m i l i t an t e.  Além   di sso,  n ão  t in h a  apen as  o
espí ri t o  en g en h oso,  m as  t am bém   a  h abi l idade  m an u al .  Era  u m   desses  en g en h ei ros  qu e
com eçara por m an ejar o m art elo e a picaret a, com o esses g en erai s qu e g ost am  de com eçar por
sim ples  soldados.  Os  seu s  m úscu los  eram   sól idos.  V erdadei ro  h om em   de  ação  ao  m esm o
t em po  qu e  h om em   de  pen sam en t o,  ag ia,  sem   esf orço,  sob  a  in f lu ên cia  de  u m a  larg a  ex pan são
vi t al ,  t en do  essa  persi st ên cia  vivaz   qu e  desaf ia  t oda  a  pou ca  sort e.  Mu i t o  in st ru ído,  m u i t o
prát ico,  «m u i t o  desem baraçado»,  para  u t i l iz ar  u m a  ex pressão  da  l in g u ag em   m i l i t ar ,  era  u m
t em peram en t o  soberbo,  poi s,  perm an ecen do  sen h or  de  si   qu ai squ er  qu e  f ossem   as
ci rcu n st ân cias, m an t in h a n o m ai s al t o g rau  as  t rês con dições cu jo con ju n t o det erm in a a en erg ia
h u m an a:   at ividade  de  espí ri t o  e  de  corpo,  im pet u osidade  dos  desejos,  f orça  de  von t ade. A   su a
divi sa poderia t er sido a de Gu i lh erm e de Oran g e, n o sécu lo XV I I :  «Não t en h o n ecessidade de
esperar para em preen der , n em  de t er êx i t o para perseverar .»
Ao m esm o t em po, Cy ru s Sm i t h  era a corag em  person i f icada. Est ivera em  t odas as bat alh as
du ran t e  essa  Gu erra  da  Secessão.  Depoi s  de  t er  com eçado  com   U l i sses  Gran t   n os  volu n t ários
de  I l in ói s,  t in h a-se  bat ido  em   Padu cah ,  em   Belm on t ,  em   Pi t t sbu rg -L an din g ,  n o  cerco  de
Corin t h , em  Port -Gibson , n o rio Neg ro, em  Ch at t an og a, em  W i ldem ess, n o Pot om ac, por t oda a
part e e valen t em en t e, com o soldado dig n o do g en eral  qu e cost u m ava diz er:  «Eu  n u n ca con t o os
m eu s  m ort os! »  E,  cem   vez es,  Cy ru s  Sm i t h   devia  en con t rar-se  n o  n úm ero  daqu eles  qu e  o
t errível  Gran t  n ão con t ava, m as n esses com bat es, em  qu e ele n ão se pou pava, a sort e prot eg eu o  sem pre,  at é  ao  m om en t o  em   qu e  f oi   f erido  e  f ei t o  pri sion ei ro  n o  cam po  de  bat alh a  de
Rich m on d.
Ao m esm o t em po qu e Cy ru s Sm i t h , e n o m esm o dia, u m a ou t ra person ag em  im port an t e caía
em   poder  dos  su l i st as.  T rat ava-se  do  h on rado  Gédéon   Spi let t ,  repórt er  do  New-Y ork  Herald,
qu e f ora en carreg ado de seg u i r as peripécias da g u erra n o m eio dos ex érci t os do Nort e.
Gédéon   Spi let t   era  da  classe  desses  espan t osos  cron i st as  in g leses  ou   am erican os,  dos
St an ley   e  ou t ros,  qu e  n ão  recu am   dian t e  de  n ada  para  obt er  u m a  in f orm ação  ex at a  e  para  a
en viarem   ao  seu   jorn al   n o  m ai s  breve  praz o  possível .  Os  jorn ai s  da  U n ião  com o  o  New-Y ork
Herald são  verdadei ras  pot ên cias  e  os  seu s  deleg ados  são  represen t an t es  com   qu em   se  con t a.
Gédéon  Spi let t  colocava-se n a prim ei ra f i la desses deleg ados.
Hom em   de  g ran de  m éri t o,  en érg ico,  pron t o  e  preparado  para  t u do,  ch eio  de  ideias,  t in h a
corrido  t odo  o  Mu n do.  Soldado  e  art i st a,  arden t e  n os  con selh os,  resolu t o  n a  ação,  n ão  o
det in h am   n em   t rabalh os  n em   f adig as  n em   perig os  qu an do  se  t rat ava  de  t u do  saber ,  prim ei ro
para  ele  e  em   seg u ida  para  o  seu   jorn al ;   verdadei ro  h erói   da  cu riosidade,  da  in f orm ação,  do
in édi t o,  do  descon h ecido,  do  im possível ,  era  u m   desses  in t répidos  observadores  qu e
escrevem   debaix o  de  f og o,  «f az em   as  crón icas»  em   plen o  com bat e  e  para  os  qu ai s  t odos  os
perig os são bem  acolh idos.
T am bém   ele  h avia  est ado  em   t odas  as  bat alh as  n a  prim ei ra  f i la,  de  revólver  n u m a  m ão,
can h en h o  n a  ou t ra,  e  a m et ralh a  n ão  lh e  f iz era  t rem er  o  lápi s. Não  f at ig ava  os  f ios  t eleg ráf icos
com   t eleg ram as  in cessan t es,  com o  aqu eles  qu e  f alam   qu an do  n ada  t êm   a  diz er ,  m as  cada  u m a
das  su as  n ot as,  cu rt as,  n í t idas,  claras,  esclarecia  u m   pon t o  im port an t e.  De  rest o,  o  h u m or  n ão
lh e  f al t ava.  Foi   ele  qu em ,  depoi s  do  caso  do  rio  Neg ro,  qu eren do  a  t odo  o  cu st o  con servar  o
seu   lu g ar  ao  g u ich é  do  t elég raf o,  para  an u n ciar  ao  seu   jorn al   o  desf ech o  da  bat alh a,  t eleg raf ou
du ran t e du as h oras os prim ei ros capí t u los da Bíbl ia. I sso cu st ou  doi s m i l  dólares ao  New-Y ork
Herald, m as o seu  jorn al  f oi  o prim ei ro a ser in f orm ado.
Gédéon   Spi let t   era  de  al t a  est at u ra.  T in h a  qu an do  m u i t o  qu aren t a  an os.  Cabelos  lou rosarru ivados  em oldu ravam -lh e  o  rost o.  O  seu   olh ar  era  calm o,  vivo  e  dot ado  de  u m a  g ran de
m obi l idade.  Era  o  olh ar  de  u m   h om em   h abi t u ado  a  aperceber-se  rapidam en t e  de  t odos  os
porm en ores  do  h oriz on t e.  Sol idam en t e  con st i t u ído,  t in h a-se  t em perado  em   t odos  os  cl im as,
com o u m a barra de aço n a ág u a f ria.
Há  dez   an os  qu e  Gédéon   Spi let t   era  repórt er  t i t u lar  do  New-Y ork  Herald,  qu e  ele
en riqu ecia com  as su as crón icas e com  os seu s desen h os, poi s m an ejava  t ão bem  o  lápi s com o
a can et a. Qu an do f oi  apri sion ado f az ia a descrição e o esboço da bat alh a. As úl t im as palavras
escri t as  n o  seu   bloco  f oram   est as:   «U m   su l i st a  apon t a  para  m im   e...»  E  Gédéon   Spi let t   n ão  f oi
at in g ido, poi s, seg u n do o seu  in variável  cost u m e, saiu  do caso sem  u m  arran h ão.
Cy ru s  Sm i t h   e  Gédéon   Spi let t ,  qu e  n ão  se  con h eciam ,  a  n ão  ser  de  repu t ação,  t in h am   sido
am bos  t ran sport ados  para  Rich m on d.  O  en g en h ei ro  cu rou -se  rapidam en t e  do  seu   f erim en t o  e
f oi   du ran t e  a  su a  con valescen ça  qu e  t ravou   con h ecim en t o  com   o  repórt er .  Os  doi s  h om en s
g ost aram   u m   do  ou t ro  e  apren deram   a  apreciar-se.  Em   breve  a  su a  vida  com u m   passou   a  t er
apen as  u m   objet ivo:   f u g i r ,  ju n t arem -se  ao  ex érci t o  de  Gran t   e  vol t arem   a  com bat er  n as  su as
f i lei ras pela u n idade f ederal .
Os doi s am erican os est avam  port an t o decididos a aprovei t ar qu alqu er ocasião, m as apesar
de  an darem   à  von t ade  n a  cidade,  Rich m on d  est ava  t ão  severam en t e  g u ardada  qu e  u m a  evasão
devia ser con siderada im possível .
En t ret an t o,  Cy ru s  Sm i t h   t eve  a  su rpresa  de  ver  ch eg ar  u m   seu   criado  qu e  lh e  era  dedicado
at é  à  m ort e.  Esse  valen t e  h om em   era  u m   n eg ro  n ascido  n as  propriedades  do  en g en h ei ro,  f i lh o
de  escravos,  m as  qu e,  desde  h á  m u i t o  t em po,  Cy ru s  Sm i t h ,  abol icion i st a  pela  raz ão  e  pelo
coração, h avia  l ibert ado. O escravo,  t orn ado  l ivre, n ão qu i sera deix ar o  seu   sen h or . Era  capaz
de  dar  a  vida  por  ele.  Era  u m   h om em   de  t rin t a  an os,  ág i l ,  vig oroso,  h ábi l ,  in t el ig en t e,  m eig o  e
calm o,  por  vez es  in g én u o,  sem pre  sorriden t e,  serviçal   e  bom .  Ch am ava-se  Nabu codon osor ,
m as só dava pelo n om e f am i l iar e abreviado de Nab.
Qu an do  sou be  qu e  o  seu   am o  h avia  sido  f ei t o  pri sion ei ro,  deix ou   Massach u set t s  sem
h esi t ar ,  ch eg ou   dian t e  de  Rich m on d,  e,  à  f orça  de  ast úcia  e  de  h abi l idade,  depoi s  de  t er
arri scado  vin t e  vez es  a  vida,  con seg u iu   en t rar  n a  cidade  si t iada.  O  praz er  de  Cy ru s  Sm i t h   ao
ver o seu  f iel  criado e a aleg ria de Nab em  en con t rar o seu  am o n ão se podem  descrever .
No  en t an t o,  se  Nab  h avia  con seg u ido  pen et rar  em   Rich m on d  era  m u i t o  m ai s  di f íci l   sai r  de
lá,  poi s  os  pri sion ei ros  f ederai s  eram   vig iados  de  m u i t o  pert o.  Era  preci so  u m a  ocasião
ex t raordin ária  para  poder  t en t ar  u m a  evasão  com   alg u m a  possibi l idade  de  êx i t o,  e  essa
ocasião n ão só n ão se apresen t ava com o era prat icam en t e im possível  f az ê-la n ascer .
En t ret an t o,  Gran t   con t in u ava  as  su as  en érg icas  operações.  A   vi t ória  de  Pet ersbu rg o  t in h alh e  sido  du ram en t e  di spu t ada.  As  su as  f orças,  reu n idas  às  de  Bu t ler ,  n ão  h aviam   obt ido  ain da
qu alqu er  resu l t ado  dian t e  de  Rich m on d,  e  n ada  f az ia  prever  qu e  a  l ibert ação  dos  pri sion ei ros
est ivesse  próx im a.  O  repórt er ,  ao  qu al   o  f ast idioso  cat ivei ro  n ão  f orn ecia  u m   ún ico  porm en or
in t eressan t e  a  an ot ar ,  já  n ão  ag u en t ava m ai s. T in h a  apen as  u m a  ideia:   sai r  de Rich m on d  a  t odo
o cu st o. T en t ou  m esm o várias vez es a aven t u ra e f oi  det ido por obst ácu los in t ran spon ívei s.
O  cerco  con t in u ava  e  se  os  pri sion ei ros  t in h am   pressa  de  f u g i r  para  se  ju n t arem   ao
ex érci t o  de  Gran t ,  alg u n s  si t iados  n ão  t in h am   m en os  pressa  em   f u g i r  para  se  ju n t arem   aos
ex érci t os separat i st as e, en t re eles, u m  cert o Jon at h an  Forst er , su l i st a f erren h o.
Com   ef ei t o,  se  os  pri sion ei ros  f ederai s  n ão  podiam   deix ar  a  cidade,  os  con f ederados
t am bém   n ão  podiam   f az ê-lo,  poi s  o  ex érci t o  do  Nort e  at acava-os.  O  g overn ador  de  Rich m on d
já  n ão  con seg u ia  com u n icar  h á  t em pos  com   o  g en eral   L ee,  n ão  obst an t e  t er  o  m aior  in t eresse
em   lh e  dar  a  con h ecer  a  si t u ação  da  cidade,  a  f im   de  apressar  a  m arch a  do  ex érci t o  de
socorro.  Esse  Jon at h an   Forst er  t eve  en t ão  a  ideia  de  se  servi r  de  u m   balão  para  at ravessar  as
l in h as in im ig as e ch eg ar assim  ao cam po dos separat i st as.
O  g overn ador  au t oriz ou   a  t en t at iva.  Foi   con st ru ído  u m   aeróst at o  e  post o  à  di sposição  de
Jon at h an   Forst er ,  qu e  cin co  dos  seu s  com pan h ei ros  deviam   acom pan h ar .  Est avam   m u n idos  de
arm as  para  o  caso  de  t erem   de  se  def en der  du ran t e  a  at errag em ,  e  de  víveres,  para  a
even t u al idade de a su a viag em  aérea se prolon g ar .
A   part ida  do  balão  est ava  f ix ada  para  o  dia  18  de  m arço.  Devia  ef et u ar-se  du ran t e  a  n oi t e
e,  com   u m   ven t o  do  n oroest e  de  f orça  m edian a,  os  aeron au t as  con t avam   ch eg ar  den t ro  de
pou cas h oras ao qu art el -g en eral  de L ee.
T odavia,  esse ven t o do n oroest e n ão  f oi  u m a  sim ples bri sa. A  part i r do dia 18 pôde ver-se
qu e  se  t ran sf orm ava  em   f u racão.  Em   breve  a  t em pest ade  se  t orn ou   t ão  f ort e  qu e  a  part ida  de
Forst er  t eve  de  ser  adiada,  poi s  seria  lou cu ra  arri scar  o  aeróst at o  e  aqu eles  qu e  ele  levava  n o
m eio dos elem en t os desen cadeados.
O balão, pron t o para part i r à prim ei ra acalm ia do ven t o, en con t rava-se n a g ran de praça de
Rich m on d, e a im paciên cia por o verem  part i r au m en t ava qu an do observavam  qu e o est ado do
t em po n ão se m odi f icava.
Os  dias  18  e  19  de  m arço  passaram -se  sem   qu e  qu alqu er  m u dan ça  se  produ z i sse.  T in h am
m esm o  g ran de  di f icu ldade  em   con servar  o  balão  preso  ao  solo,  qu e  as  rajadas  de  ven t o
dei t avam  por t erra.
A   n oi t e  do  dia  19  para  20  passou -se,  m as,  de  m an h ã,  o  f u racão  au m en t ou   de
im pet u osidade. A  part ida era im possível .
Nesse  dia,  o  en g en h ei ro  Cy ru s  Sm i t h   f oi   abordado  n u m a  das  ru as  de  Rich m on d  por  u m
h om em   qu e  ele  n ão  con h ecia.  Era  u m   m arin h ei ro  ch am ado  Pen crof f ,  u m   h om em   en t re  os  t rin t a
e  cin co  e  os  qu aren t a  an os,  de  con st i t u ição  vig orosa,  m u i t o  bron z eado,  com   u n s  olh os  vivos  e
qu e  pi scavam   in cessan t em en t e,  m as  com   u m a  boa  ex pressão.  Esse  Pen crof f   era  u m   am erican o
do Nort e,  qu e  percorrera  t odos  os m ares  do Globo,  e  ao  qu al ,  n o  qu e  diz   respei t o  a  aven t u ras,
t in h a acon t ecido t u do o qu e de m ai s ex t raordin ário podia su ceder a u m  ser com  doi s pés e sem
pen as.  I n út i l   será  diz er  qu e  se  t rat ava  de  u m a  n at u rez a  em preen dedora,  pron t o  para  t u do  e  qu e
n ada  podia  espan t ar .  Pen crof f ,  n o  com eço  desse  an o,  t in h a-se  di rig ido  a  Rich m on d,  em
n eg ócios,  acom pan h ado  por  u m   jovem   de  qu in z e  an os,  Harbert   Brown ,  de  Nova  Jérsia,  f i lh o
do  seu   com an dan t e,  u m   órf ão  de  qu em   ele  g ost ava  com o  se  f osse  seu   próprio  f i lh o.  Não  t en do
podido  deix ar  a  cidade  an t es  de  se  t er  in iciado  o  cerco,  en con t rou -se,  com   g ran de
con t rariedade  su a,  al i   bloqu eado  pelo  qu e  t am bém   ele  daí   em   dian t e  t eve  só  u m a  ideia:   f u g i r
por  t odos  os  m eios  possívei s.  Con h ecia  a  repu t ação  do  en g en h ei ro  Cy ru s  Sm i t h .  Sabia  com
qu e  im paciên cia  aqu ele  h om em   det erm in ado  roía  o  seu   f reio.  Nesse  dia,  n ão  h esi t ou   m ai s  em
abordá-lo e di sse-lh e sem  qu alqu er preparação:
— Sen h or Sm i t h , n ão est á f art o de Rich m on d?
O  en g en h ei ro  olh ou   f ix am en t e  para  o  h om em   qu e  lh e  f alara  assim   e  qu e  acrescen t ou   em
voz  baix a:
— Sen h or Sm i t h , qu er f u g i r?
—  Qu an do  e  com o?  —  ret orqu iu   vivam en t e  o  en g en h ei ro,  e  pode  diz er-se  qu e  essa
respost a lh e escapou , poi s ain da n ão observara o descon h ecido qu e lh e di rig i ra a palavra.
Con t u do,  depoi s  de  t er  at en t ado,  com   o  seu   olh ar  pen et ran t e,  n o  rost o  leal   do  m arin h ei ro,
n ão pôde du vidar qu e t in h a n a su a f ren t e u m  h om em  h on est o.
— Qu em  é o sen h or? — perg u n t ou  com  voz  breve.
Pen crof f  deu -se a con h ecer .
— Bem  — respon deu  Cy ru s Sm i t h . — E com o pen sa levar a cabo a f u g a qu e m e propõe?
—  Nesse  in dolen t e  balão  qu e  deix am   al i   sem   n ada  f az er  e  qu e  m e  dá  a  ideia  de  est ar
proposi t adam en t e à n ossa espera! ...
O  m arin h ei ro  n ão  h avia  t ido  n ecessidade  de  acabar  a  f rase.  O  en g en h ei ro  com preen dera
im ediat am en t e. Peg ou  n o braço de Pen crof f  e arrast ou -o para su a casa.
Al i ,  o  m arin h ei ro  desen volveu   o  seu   projet o,  n a  verdade  m u i t o  sim ples.  Para  o  ex ecu t ar
apen as  arri scavam   a  vida.  O  f u racão  est ava  n o  au g e  da  su a  violên cia,  é  cert o,  m as  u m
en g en h ei ro h ábi l  e au dacioso com o Cy ru s Sm i t h  saberia con du z i r u m  aeróst at o. Se ele próprio
sou besse  m an obrá-lo,  n ão  t eria  h esi t ado  em   part i r  —  com   Harbert ,  é  claro.  Já  passara  por
m u i t as si t u ações perig osas, e n ão era aqu ela qu e o i ria det er!
Cy ru s  Sm i t h   n ão  diz ia  u m a  palavra  en qu an t o  ou via  o  m arin h ei ro,  m as  os  seu s  olh os
bri lh avam . A  ocasião su rg i ra e ele n ão era h om em  para a deix ar escapar . O projet o era apen as
m u i t o  perig oso  e  port an t o  podia  ser  post o  em   ex ecu ção.  De  n oi t e,  apesar  da  vig i lân cia,
podiam   ch eg ar  ju n t o  do  balão,  desl iz ar  para  den t ro  da  su a  barqu in h a  e  em   seg u ida  cort ar  as
cordas  qu e  o  pren diam !   Cert am en t e  qu e  se  arri scavam   a  ser  m ort os,  m as,  por  ou t ro  lado,
podiam   t er  êx i t o  n a  f u g a  n o  m eio  dessa  t em pest ade...  De  rest o,  sem   a  t em pest ade  o  balão  já
t eria part ido e a ocasião t ão procu rada n ão se apresen t aria n esse m om en t o!
— Não est ou  soz in h o!  — di sse por f im  Cy ru s Sm i t h .
— Qu an t as pessoas qu er levar? — perg u n t ou  o m arin h ei ro.
— Du as:  o m eu  am ig o Spi let t  e o m eu  criado Nab.
— En t ão são t rês — respon deu  Pen crof f  —, e com  Harbert  e eu  som os cin co. Ora, o balão
devia levar sei s...
— Ch eg a. Nós part i rem os en t ão!  — di sse Cy ru s Sm i t h .
Aqu ele  «n ós»  in clu ía  o  repórt er ,  m as  o  en g en h ei ro  sabia  bem   qu e  ele  n ão  era  h om em   para
recu ar e qu an do o projet o lh e f oi  apresen t ado, Spi let t  aprovou -o sem  reservas. Adm i rou -se f oi
de  u m a  ideia  t ão  sim ples  lh e  n ão  t er  su rg ido.  Qu an t o  a  Nab,  est ava  sem pre  pron t o  a  seg u i r  o
pat rão para on de qu er qu e f osse.
—  En t ão  at é  log o  à  n oi t e  —  di sse  Pen crof f .  —  An darem os  a  vag u ear  por  aí ,  com o
cu riosos!
—  At é  log o  à  n oi t e,  às  dez   h oras  —  respon deu   Cy ru s  Sm i t h .  —  E  perm i t a  o  céu   qu e  a
t em pest ade n ão am ain e an t es da n ossa part ida!
Pen crof f  despediu -se do en g en h ei ro e vol t ou  ao seu  alojam en t o, on de  t in h a f icado o  jovem
Harbert  Brown . Esse corajoso  rapaz  con h ecia o plan o do m arin h ei ro e esperava an siosam en t e
o resu l t ado da su a en t revi st a com  o en g en h ei ro. Com o se vê, eram  cin co h om en s decididos qu e
iam  assim  lan çar-se n a t orm en t a, em  plen o f u racão!
Não!  O f u racão n ão se acalm ou , e n em  Jon at h an  Forst er n em  os seu s com pan h ei ros podiam
pen sar  em   en f ren t á-lo  n aqu ela  f rág i l   barqu in h a!   O  dia  f oi   t errível .  O  en g en h ei ro  só  receava
u m a  coi sa.  Era  qu e  o  aeróst at o,  preso  ao  solo  e  lan çado  por  t erra  pelo  ven t o,  se  rasg asse  em
m i l   pedaços.  Du ran t e  várias  h oras,  vag u eou   pela  praça  qu ase  desert a  vig ian do  o  aparelh o.
Pen crof f   f az ia  o m esm o  por  seu   lado,  com   as m ãos  n os  bol sos,  e  bocejan do  de  vez   em   qu an do
com o u m  h om em  qu e n ão sou besse com o passar o t em po, m as recean do t am bém  qu e o balão se
rasg asse ou  qu e as cordas se part i ssem  e ele desaparecesse n o espaço.
A   n oi t e  ch eg ou .  Est ava  m u i t o  escu ra.  Espessas  bru m as  passavam   ren t e  ao  solo,  com o
n u ven s.  Caía  u m a  ch u va  m i st u rada  com   n eve.  O  t em po  est ava  f rio.  U m a  espécie  de  n evoei ro
pai rava  sobre  Rich m on d.  Parecia  qu e  a  violen t a  t em pest ade  im pu n h a  t rég u as  en t re  os  si t ian t es
e  os  si t iados,  e  qu e  o  can h ão  qu i sera  calar-se  dian t e  das  f orm idávei s  det on ações  do  f u racão.
As  ru as  da  cidade  est avam   desert as.  Nem   sequ er  ach avam   n ecessário,  com   aqu ele  t em po
h orrível ,  g u ardar  a  praça  n o  m eio  da  qu al   se  debat ia  o  balão.  T u do  f avorecia  a  part ida  dos
pri sion ei ros, eviden t em en t e;  m as essa viag em , n o m eio das rajadas desen f readas! ...
«Má  m aré! »,  pen sava  Pen crof f ,  ag arran do  o  ch apéu ,  qu e  o  ven t o  lh e  qu eria  arran car  da
cabeça. «Mas h avem os de con seg u i r o qu e qu erem os! »
Às  n ove  h oras  e  m eia,  Cy ru s  Sm i t h   e  os  seu s  com pan h ei ros  desl iz avam   por  vários  lados,
pela  praça,  qu e  os  can deei ros  de  g ás,  apag ados  pelo  ven t o,  deix avam   n u m a  prof u n da
obscu ridade. Não se via sequ er o en orm e aeróst at o, qu ase in t ei ram en t e ach at ado con t ra o solo.
I n depen den t em en t e  dos  sacos  de  last ro  qu e  m an t in h am   as  cordas  da  rede,  a  barqu in h a  est ava
presa por u m  f ort e cabo qu e passava por u m a arg ola, cravada n o solo.
Os  cin co  pri sion ei ros  en con t raram -se  pert o  da  barqu in h a.  Não  t in h am   sido  vi st os;   al iás,  a
obscu ridade era t al  qu e n ão se viam  u n s aos ou t ros.
Sem   pron u n ciar  u m a  palavra,  Cy ru s  Sm i t h ,  Gédéon   Spi let t ,  Nab  e  Harbert   t om aram   lu g ar
n a  barqu in h a,  en qu an t o  Pen crof f ,  por  ordem   do  en g en h ei ro,  t i rava  su cessivam en t e  os  sacos  de
last ro.  Foi   obra  de  pou cos  m in u t os  e  log o  a  seg u i r  o  m arin h ei ro  f oi   ju n t ar-se  aos  seu s
com pan h ei ros.
O  aeróst at o  só  est ava  en t ão  preso  pelo  du plo  cabo  e  Cy ru s  Sm i t h   t in h a  apen as  de  dar
ordem  de part ida.
Nesse  m om en t o,  u m   cão  sal t ou   para  den t ro  da  barqu in h a.  Era  o  cão  do  en g en h ei ro,  qu e,
t en do  part ido  a  su a  corren t e,  f ora  at rás  do  don o.  Cy ru s  Sm i t h ,  recean do  u m   ex cesso  de  peso,
qu eria m an dar em bora o an im al .
— Bah !  Mai s u m !  — di sse Pen crof f , al ivian do m ai s doi s sacos de last ro.
Em   seg u ida,  sol t ou   o  du plo  cabo  e  o  balão  part iu   n u m a  di reção  obl íqu a  e  desapareceu ,
depoi s de a barqu in h a t er bat ido em  du as ch am in és, qu e at i rou  abaix o n a f úria da part ida.
O f u racão at in g i ra en t ão u m a violên cia assu st adora. Du ran t e a n oi t e o en g en h ei ro n ão pôde
pen sar  em   descer ,  e  qu an do  ch eg ou   o  dia  a  vi st a  da  t erra  era  in t ercet ada  pelas  bru m as.  Só
cin co  dias  depoi s,  u m a  abert a  lh es  deix ou   ver  o  m ar  im en so  por  baix o  do  aeróst at o,  qu e  o
ven t o arrast ava com  u m a velocidade t em ível !
Sabem os  com o,  desses  cin co  h om en s,  part idos  a  20  de  m arço,  qu at ro  t in h am   sido
lan çados, n o dia 24 de m arço, para u m a cost a desert a, a m ai s de sei s m i lh as do seu  paí s!
3
E  o  qu e  f al t ava,  aqu ele  em   socorro  do  qu al   os  qu at ro  sobreviven t es  do  balão  corriam ,  era
o seu  ch ef e n at u ral , era o en g en h ei ro Cy ru s Sm i t h !
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